Janeiro de 2013
“Se você não conhece a resposta, discuta a pergunta” (Clifford Geertz)
O ’nativo’ em linguagem antropológica é um ser local, aquele que pertence a terra e que é o primeiro habitante de um lugar, enquanto o ’imigrante’ é um estranho ou estrangeiro, aquele que veio de fora para tomar o lugar do nativo ou para ocupar seu território. É como um filme hollywoodiano de comanches e cow-boys, no qual o índio é encenado por Elvis Presley e sua mãe indígena por uma latina como Dolores de Los Rios!
É interessante notar que a linguagem da cibercultura ou do ciberespaço emprega, portanto, as noções reificadas pela cultura ocidental sobre colonialismo e imperialismo: neste novo contexto cyber, o ‘nativo’ é aquele que já nasceu no interior de uma ordem digital e que portanto raciocina de acordo com tal lógica, enquanto o ‘imigrante’ é aquele que está se deslocando da cultura livresca medieval-renascentista para a cibercultura e que, por este motivo, ainda mantém um pé lá e outro cá.
Como fica tal cultura do ciberespaço se pensarmos no grande número de analfabetos gramaticais e digitais da América Latina? Néstor García Canclini, em livros como ’Diferentes, Desiguais e Desconectados’, Editora UFRJ, 2005, explora as contradições de populações indígenas sul-americanas utilizarem o Internet sem ao menos terem sido alfabetizadas! Enquanto antropóloga e educadora, esta parece ser uma questão pertinente para ser aqui discutida: como entrar na era digital, de caráter internacional ou global, sem perder as referências regionais da cultura brasileira, inspirando-me aqui na postura da ‘antropofagia cultural’ de Oswald de Andrade?
De forma a estimular meus alunos a desenvolver o senso crítico que é o objetivo de toda educação universitária, venho desenvolvendo um produto de criação visual em Arte-Educação, no qual abordo a relevância de se devorar criticamente a cibercultura e devolvê-la retransformada, de acordo com uma linguagem local ’nativa’. Parece-me que esta questão precípua e pertinente não é nunca enfocada ao se falar sobre cibercultura: será que todos os estatutos culturais ali apresentados, aparentemente de forma ’democrática’, adquirem a mesma preponderância sócio-econômica ao serem deglutidos?
Como, então, inserir um contexto de ‘devoração crítica’ junto aos alunos, ou seja, como despertar neles um senso estético (no sentido platônico) das idéias? Como fazê-los separar o joio do trigo em meio à barafunda e ao caos da mídia digital, a qual é inevitavelmente perpassada pela lógica capitalista, imperialista e colonialista do primeiro mundo europeu e norte-americano?
Questões filosóficas e humanistas de primeira ordem, companheiros: será que o que pensa o ‘nativo digital’ típico é relevante, pertinente, política e eticamente correto e pode contribuir para mudar o mundo para melhor? Ou, mais importante ainda, qual é a real contribuição didática que o saber erudito do professor pode fazer em relação à maioria da subinformação veiculada pela mídia digital nos dias de hoje?
Professora-Doutora Dinah Papi Guimaraens, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal Fluminense e Diretora Fundadora Associada do Museu de Arte e Origens, NYC (Doutora pelo Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social – Museu Nacional – UFRJ e New York University – Museum Studies Program / Fulbright Scholar; Pós-Doutora, Department of Anthropology, University of New Mexico, E.U.)